Saturday, July 7, 2007

Relações dos Portugueses com o Sião

Fotografia rara da Embaixada de Portugal em Banguecoque - Residência de Embaixadores - Tirada em 1918. ( Arq. Histórico de Macau)
Autor: Jacinto José do Nascimento Moura (Capitão de Artilharia)

Continuação - 4 Parte e última

Silveira novamente nomeado cônsul

É de estranhar que Silveira desejasse ainda voltar ao Sião. Contudo, de tal forma êle se conduziu em Goa que foi novamente nomeado cônsul, no ano de 1830.

O diploma de sua nomeação rezava assim:

" Faço saber a vossa majestade que Carlos Manuel da Silveira, que, no ano de 1820, foi mandado a essa côrte, regressou próximamente a esta capital de Goa, e, tanto por êle, como pelo Leal Senado da cidade do Nome de Deus de Macau, fui sabedor de que vossa majestade acolhera benignamente ao comissário Miguel de Araújo Rosa, que fôra mandado a essa côrte pelo Leal Senado, para congratular a vossa majestade pela sua feliz exaltação ao trono do Sião, para acabar quaisquer contas do conselheiro Miguel de Arriaga Brun da Silveira, do dito cônsul e do seu escrivão Cipriano José Baptista , e para continuar a mesma amizade entre as duas nações , portuguesa e siâmica. E como estou informado dos seus reais desejos de que se renovem as antigas relações de amizade e comércio entre ambas as nações, e sabendo por outra parte que a pessoa do dito Carlos Manuel da Silveira é grata a vossa majestade, tomo a deliberação de o enviar outra vez aos reais pés de vossa majestade com o mesmo carácter de cõnsul e feitor que já teve nessa côrte. Permita-me vossa majestade lembrar-lhe que o magnifico rei do Sião, seu predecessor, foi servido declarar que todos os vassalos portugueses, que fôssem negociar nesse reino, seriam melhor tratados, que os das outras nações. Conviria muito, quando fõsse da soberana vontade de vossa majestade, se concluisse o tratado preliminar, que aí foi apresentado a vossa majestade um pequeno presente de alguns artigos, que tomo a liberdade de lhe oferecer".
A Silveira foram em Goa entregues instruções reservadas que, em resumo, transcrevemos:
" Para se levarem a seu devido efeito e cumprimento as reais ordens de el-rei nosso senhor, 30 de Abril de 1829, foi determinado ao Leal Senado de Macau, e a este govêrno que se conservasse, e se não abandonasse a Feitoria do reino do Sião, pelo que nomeei a V.Ex.ª, por portaria de 14 do corrente, geral e feitor da nação portuguesa. Recomenda-se por isso que se não deverá envolver em assuntos políticos naquele reino, devendo considerar a sua comissão restrita unicamente a promover as relações de comércio e navegação que nos forem possíveis na Ásia, pois a que por ora mais nos importa é não perder os pontos que possuimos e que hoje conservados podem segurar para o futuro, talvez não muito distante, um amplo emprêgo à nossa actividade e indústria, e sobretudo aos nosso sucessôres livres das oscilações que nos têm perturbado, sendo certo que uma das causas da nossa decadência na Ásia vem da incúria e culpável abandono em que temos deixado os gloriosos frutos do esfôrço, e espírito empreendedor dos nossos Maiores.
Solicitará todas as vantagens e aproveitará da inclinação que o presente rei mostra aos portugueses, favorável impressão que há-de ter deixado no seu ânimo o pagamento que êste govêrno lhe mandou fazer das cinco mil e tantas patacas que há anos lhe ficara devendo o defunto conselheiro Miguel de Arriaga, pagamento com que parece êle não contava.
Tornará seguros e estáveis os direitos das pessoas, propriedades e neutralidade daos vassalos portugueses, que fôssem comerciar e navegar em Sião. Aproveitará a indicação que o príncipe Cromachel manda a participar de que os portugueses pagariam sómente 6% de direitos de importação ao contrário do que pagavam as mais nações. Que os soldados e inferior que deve levar de Macau para guarda da Feitoria deverão ser pagos pela Real Caixa daquela cidade recebendo ali um ano, de adiantamento".
Ao Leal Senado escreveu o vice-Rei da Índia para que adiantasse ao cônsul e ao seu escrivão mil taeis, pagamento dos seus respectivos ordenados e das despesas da Feitoria e sôldo do interior e soldados que o cônsul devia levar de Macau, para o que também na mesma ocasião dava ordem ao governador de Macau e Leal Senado, para que cada um pela sua parte lhe proporcionasse, ao cônsul, escrivão e guarda, os meios de se transportarem para Bangkok, permitindo ainda que o mesmo Leal Senado lhes pudesse aumentar os ordenados se assim o julgasse conveniente. Silveira foi a Macau.
Ali, talvez de propósito, demoraram-no e contrariaram-no por várias formas, especialmente não lhe aumentando os vencimentos, como havia sido indicado anteriormente nas citadas instruções do govêrno de Goa. Por fim, o Leal Senado adiantou o pagamento de um ano, tanto para o cônsul como sua comitiva, na importância de 1.400 taeis, e deu-lhe em aditamento umas instruções referentes aos interesses de Macau. Silveira seguiu, por fim, no brigue Feliz com a sua comitiva e guarda, sendo-lhe entregue a gerência da Feitoria, pelo cônsul interino, Marcelino de Araujo Rosa, em 19 de Abril de 1831.

Silveira é mal recebido no Sião e substituído por Marcelino Rosa
A falta de navegação portuguesa para o Sião durante anos foi atribuída pelo Govêrno dêste país a pouco zêlo e interêsse do cônsul Silveira. Por isso julgou o Praklang inítil fazer-se o tratdo e " que o rei poderia considerá-lo como brincadeira". Silveira apresentou as razões da falta de navegação, que de modo algum se lhe poderiam atribuir, ao que o Praklang respondeu que o rei havia escrito ao vice-rei da Índia, dizendo-lhe que não consentia tal cônsul no seu país mais que um ano (este facto tem sido comentado por alguns historiadores estrangeiros com desfavor para Portugal, razão essa porque entendemos dever apreciá-lo com certo desenvolvimento). A natural indignação de Silveira levou-o a pedir ao Praklang uma pública e categórica justificação de tal procedimento, indicando-se "o distúrbio ou mal que havia causado àquele reino ou a seguir uma pessoa".
Comunicado tal facto ao Leal Senado de Macau, pediu Silveira que quando se escrevesse ao rei do Sião se lhe " não solicitasse desculpas para o cônsul ou relevasse alguma falta, mas que o Senado exigisse uma miúda declaração das suas faltas, para que êle respondesse a elas". Isto parece provar que o cônsul não receava que lhe imputasse faltas. Vejamos, porém, quais os motivos que provavelmente originaram tal má-vontade para com o Silveira.

No modo de ver dêste, pretendia-se que êle fôsse substituído por um outro cônsul, "falto de todos os conhecimentos e que não soubesse fazer a sua obrigação, para o Sião judiar dêle" e ainda atribuía tal atitude aos presentes que havia levado "que não eram próprios do decoro do rei daquele país". (Em carta para o Leal Senado, descrevia o vergonhoso estado dos objectos enviados de presente, os quais estiveram para ser desenvolvidos)

É porém, natural que Hunter, grande comerciante inglês na Extrema-Ásia, com outros seus compatriotas, tivessem promovido a desconfiança para com o cônsul Silveira, e amesquinhado os portugueses, indo oferecer ao rei e ao ministro, no mesmo dia que Silveira, lindos presentes que valiam 4.000 taeis "deste modo a deixarem quási imperceptíveis os nossos".

Esboçava-se então o predomínio inglês no Extremo-Oriente. As tentativas de marquês de Wellesly e a do almirante Drury de tomar Macau, sob o habilidoso pretexto de defenderem aquela nossa colónia de um ataque dos franceses, haviam falhado. Cantão oferecia um constante perigo, além de ameaçar a saúde dos europeus que ali habitavam, forçando-os a deixar as suas famílias em Macau.
Originaram-se então, ali, neste primeiro quartel do século passado, atritos e más vontades entre os ingleses e portugueses, os quais nem pelo facto da secular aliança política entre Portugal e Inglaterra, se conseguiam fazer dissipar.
Macau ainda representava um valor económico importante no comércio asiático (anos depois, em 1866, ainda o pôrto de Macau foi frequentado por 238 navios com uma tonelagem de 87.543 não incluindo os da carreira entre Macau e Hong Kong), que só se perdeu alguns anos após a fundação de Hong-Kong. A Inglaterra disputava-nos a influência comercial nos portos onde o nosso nome ainda tinha algum prestígio e valia. Numa pertinácia própria, aliadas estas qualidades a uma previsão que nós não possuímos, os ingleses foram-nos arrebatando, muito ciosamente, por tõda a parte, o prestígio e o lucro do negócio.

O Sião era um país que, ao passo que possuía riquezas grandes, não oferecia grande segurança ao comércio estrangeiro e defendia-se dos que pudessem absorvê-lo politicamente, conseguindo assim viver até nossos dias sem ser tutelado ou parcelado por potência alguma europeia, bem se podendo disso orgulhar, e construir, com o Japão, os únicos exemplo de países completamente independentes no extremo-Oriente. Só Portugal tinha um território seu com um consulado, o que era objecto de invejas e servia de incitamento a pressões sõbre govêrno siamês, às quais êle ia resistindo, mas que mais fácilmente seriam contidas com a supressão da feitoria concebida a Portugal.


Dêste modo se advinha, cláramente, a vontade do Praklang em promover uma ofensa a Portugal, na pessoa do cônsul, que por infelicidade nossa não tinha uma renumeração condigna nem tão pouco o prestígio para poder influir junto dos portugueses, que nesse tempo dirigiam a actividade política e comercial do abandonado Oriente, mal se podendo manter ali com a dignidade para o seu cargo e lucro para o seu país. Fossem, porém, quais fõssem os motivos, o certo é que Silveira, que havia retomado o seu cargo em 19 de Abril de 1831, foi forçado a abandoná-lo, em 1 de Abril de 1833, sendo substituído por Marcelino de Araújo Rosa, que se achava como escrivão e que a seu pedido tomou posse do cargo de cônsul em 18 de Maio de 1833.

Não tinha, porém, decorrido um ano para que êste último sentisse a falta de continuidade de pensamento político dos que o investirem em tal cargo, vendo-se forçado a informar o Leal Senado de que se " encontrava exausto do necessário e até de alguns trastes e moedas de ouro que tinha para sua sustentação e a dos soldados, por falta de vencimentos que lhes não haviam sido enviados"., e a recordar "que estava servindo um lugar remoto e num país onde não há remessas e a pobreza é odiosa, o que não podia deixar de ser de tristes consequências para o cônsul e mais empregados do estabelecimento".

Inquéritos em Macau a Arriaga e a Silveira

Como vimos, o Leal Senado de Macau não cumpria com o encargo de sustentar a Feitoria. Goa, que por vezes a amparava, atribuía a Macau essa principal função. A Metrópole, esquecida ou entretida com os seus problemas internos e com os captichos da sua aristocrática côrte, deixava perder-se na memória dos tempos, já longínquos, o renome e poderio que outrora no Sião disfrutaram os portugueses.

Albuquerque e Miguel de Arriaga já se haviam sumido no estreito coval onde com eles se afundaram os seus sonhos de patriotas e visionários. De resto, a ideia da Feitoria fizera aparecer muitos "Restelos" em Macau, os quais não só não compreendiam a existência, como atacavam o seu criador. Daí resultou a negar-se ao cônsul o pagamento dos seus honorários, e por outros modos se procurar destruí-la. Por uma carta de Arriaga para Silveira os "míseros rivais", que tudo criticam dizendo "Abrir o comércio, estabelecer Feitoria, alcançar terreno próprio para casas, permissão de construção de navios e algum favor nos direitos, que mais pode querer-se?"

" A seu tempo verão os incrédulos..." E a seguir: "As perturbações pela expedição a Timor e Sião eram dirigidas mesmo de Malaca por Fr. Paulo que as iniciara em Macau" (Até o ano de 1819 viveu num convento de Macau Fr. Paulo de S. Tomás de Aquino que naquele ano foi eleito Arcebispo de Crangor e suponho ter sido a pessoa a quem Arriaga se referia em carta, dizendo: - "Torto infernal"". Eis a alma de um arcebispo!") E lamentando-se por não poder dar a Silveira a "devida recompensa e apresentar-lhe o seu apreço", terminava exortando-o a "cuidar sobretudo em manter o decôro nacional, dê por onde der..." e dizendo: "continui com o mesmo zêlo que é a Sua Majestade que servimos".

Tendo Silveira requerido em Macau o pagamento dos seus vencimentos, não efectuados durante a sua estada da última vez no Sião, foram mandados realizar inquéritos, que terminavam por reconhecer que o "desvio do retorno" (1) enegrecia a memória do conselheiro Arriaga e de algum modo a do cônsul, como instrumento. É longa e emaranhada a questão da responsabilidade de Silveira pela quantia de 3.000 taéis (2) em que o Leal Senado ficou prejudicado. A verdade é que Arriaga morreu pobre, concedendo o govêrno uma pensão à família, e que Silveira chegou à mais desesperada situação e ao último apuro por falta de meios de subsistência, achando-se em Macau a morrer de fome, como declarava, depois de ter envelhecido pretando honrada e zelosamente serviço ao govêrno durante 15 anos, e não só não tendo sido remunerado como abandonado indignamente aos desvairos da sorte.

(1) Refere-se a presentes enviados pelo rei do Sião em retribuição dos enviados pelo Leal Senado, entre os quais se incluiram 300 espingardas, no valor de 1.108 taéis e 800 caixas e um retrato de D. João VI que foi muito apreciado.
(2) Noutro trabalho esperamos tratar o assunto com o maior desenvolvimento.


Celebração de tratados

Embora estivessem durante muitos anos quási interrompidas as relações entre Portugal e o Sião, não se tinha apagado da memória do rei dêste país, Mongkut, a grata lembrança dos testemunhos de amizade e dos presentes que, quando ainda criança, lhe haviam sido enviados por parte do rei de Porugal, no ano de 1820.
Tendo subido ao trono em 1851 e tendo-lhe as demias nações enviado embaixadores para fazerem tratados de comércio, sentiu o desejo de também realizar com Portugal um tratado sólido que, firmado por escrito, restabelecesse as relações de amizade e o comércio há muito perdido entre os dois países.
Solicitou, por isso, por intermédio do cônsul, A. F. Moor, que lhe fosse enviado um ministro com poderes para efectuar um tratado de aliança com o Sião.
Nestas circusntâncias foi, no ano de 1859, enviado a Bangkok o governador de Macau, Izidoro Francisco Guimarães, como ministro plenipotenciário. Na audiência realizada em 27 de Janeiro do referido ano entregou aquele ministro ao rei do Sião uma carta escrita pelo próprio punho do rei de Portugal, e afirmou o desejo de confirmar, consolidar e estreitar as relações amigáveis que havia séculos existiam entre os dois países.


Respondeu-lhe o rei numa longa enumeração de factos elogiosos para os portugueses no Sião, recordando que nas memórias do seu país constava que uns tresentos anos antes havia naquele país engenheiros portugueses que auxiliaram o rei no traçado da estrada Pra Both e outras, assim como na abertura de canais e em diferentes obras, e que tendo Portugal perdido a independência, os portugueses se tornaram subditos do rei do Sião e casaram com mulheres siamesas, cabojeanas e peguanas, mantendo-se, contudo católicos.

Nomeados os plenipotenciários, foi estabelecido o tratado de amizade, comércio e navegação com a data de 10 de Fevereiro de 1859 e o regulamento para os navios portugueses que fôssem ao Sião. Embora sem grandes resultados para o comércio entre os dois países, tal tratado manteve-se até o ano de 1925, sendo apenas alterado por um acôrdo, relativo à venda de bebidas espirituosas, com a data de 14 de Maio de 1883.

Pelo tratado realizado em 1925, sendo ministro dos Negócios Estrangeiros o sr. Vasco Borges, foi concedido a Portugal o tratamento de nação mais favorecida e o Sião passou a gozar o tratamento de nação mais favorecida para as importações em Portugal de arroz e estanho. O govêrno siamês, comprometeu-se a reconhecer que as designações dos vinhos do Porto e Madeira pertencem exclusivamente ao Govêrno do Sião no sentido do tratado ser aplicado ao Estado da Índia, a Macau e a Timor, ratificando-se o mesmo em 31 de Julho de 1927.



O rei do Sião Chulalongkorn visita Lisboa



Para os interessados no desenvolvimento da visita de S.M. o Rei Chulalongkorn a Portugal, um clique: www.aquimaria.com/html/aboutth.html

Tendo ascendido ao trono do Sião, no ano de 1873, o Rei Phra Chula Chon Klao )Chulalongkorn), no próprio momento da sua coroação, deu início à obra de renovação de costumes e de levantamento do espírito do seu povo, suprimindo a cerimónia da humilhação dos seus súbditos perante o soberano. Tendo viajado largamente, durante a sua menoridade, alcançou, pela observação dos outros países, a imperiosa necessidade de pôr em prática profundas e urgentes medidas indispensáveis à modernização do seu reino.

Chulalongkorn, foi, sem dúvida, das mais activas e progressivas personalidades do Sião moderno. A êle devem os seus compatriotas a abolição da escravatura e o progresso e properidade, que se reflectiu na invejável situação financeira do país, à data da sua morte, a qual permitiu a continuação da obra encetada por seu pai, o rei Mongkut, e o grau de cultura e de civilização em que hoje se encontra.


Êle foi positivamente o inspirador de muitas instituições; o iniciador da construção dos caminhos de ferro, que hoje atingem uma extensão de 3.000 quilómetros, permitindo a rápida e cómoda viagem entre Bangkok e Singapura e Penang, e dos trabalhos de irrigação, que permitiram o considerável aumento das culturas. Foi êle quem promoveu o estudo de línguas estrangeiras e a melhoria nos sistemas de educação e ensino; quem iniciou a transformação de Bangkok e organizou o exército em bases modernas, o qual se ufana de possuir, na arma de aviação, bravos e competentes elementos, que formando um corpo de aviadores se bateu na França durante a última guerra, alcançando uma merecida reputação.


Com um tal espírito de inovação e com uma tão persistente actividade, êle formou discípulos na sua família, os quais, apesar de príncipes, ocupam lugares de dirigentes de vários ramos de actividade nacional. Não se esqueceu da velha e tradiconal amizade entre o seu país e Portugal. Ao viajar pela Europa quis vêr de perto o país que levara ao seu, além do auxílio prestado em vários períodos da sua história, vários benefícios, como a arte de construir barcos, a de fundir armas, o modo de usá-las na guerra, e a adopção das fortificações contra as armas de fogo, como muito justamente afirmou, em 1925, no Rotary Club de Bangkok, sua alteza o príncipe Damrong.


Como marcas indléveis dessa acção dos portugueses no Sião, ainda hoje se podem ver essas fortalezas à entrada do rio Menan e os restos de outras em Ajutia )Ayudhya) Svagalok e Suklodaya, que foram outrora de grande utilidade e importância. Recordando-se destas e de outras obras dos portugueses, Chulalongkorn, visitou Lisboa, em 1897. Por infelicidade nossa, nas homenagens que lhe foram prestadas em Cascais, e na melhor intenção de se ser gentil, aquele rei julgou ver uma desconsideração ou brincadeira nos fogos de artifício representando um elefante branco, símbolo do seu país.

Por êsse ou outro motivo, aquele rei apressou a sua partida de Portugal, levando, porventura, para o seu reino, uma grande e amarga desilusão, e deixou em alguns membros da aristocracia portuguesa o desapontamento e a funda mágua pelas fracas condecorações com que um rei asiático premiou a sua negligente assistência a um soberano hóspede e amigo.


Os cônsules (1)

Apesar do quási abandono a que fôra votada a Feitoria, o consulado foi existindo durante mais de um século, embora precáriamente, e com sorte vária para o prestígio, de Portugal. Pela lista dos cônsules e rápida resenha dos seus actos se poderá ajuizar o que tem sido a nossa representação nesse longínquo retalho de terra portuguesa, alcançando, não por um acto de mera conquista ou discutível apropriação, mas por uma voluntária e categórica cedência, feita amigável e generosamente, apenas por reconhecimento e admiração do Sião a Portugal.

Como vimos, Carlos Manuel da Silveira foi o primeiro cônsul português em Bangkok, tendo sido substituído por Miguel Rosa em 1829, e em 1832 por Marcelino de Araújo Rosa. Seguiu-se a êste último, como encarregado, Joaquim Maximiano da Silva, então secretário do consualdo, desde 22 de Julho de 1852 a 22 de Março de 1855, data esta em que tomou posse como efectivo o cônsul António Frederico Moor. Durou a sua gerência até 28 de Abril de 1868, sendo apenas interrompida em 1863, data em que desempenhou as suas funções, interinamente, Joaquim M. da Silva.


Em 1887, o consulado passou a ser de carreira (1ª classe) e a não depender de Macau, mas sim do Ministério dos Estrangeiros. Em 22 de Setembro de 1890 vê-se como encarregado F. J. Donnela Nienwenhéus até 1892, ano em que F.A. Pereira volta de novo a ocupar o seu cargo. Em 1899 foi nomeao cônsul Luís Correia da Silva. Como encarregado de negócios esteve Luís Leopoldo Flores, desde 1901 até 1915, data do seu falecimento em Bangkok.

A desfortuna que perseguia a Feitoria nunca fôra tão impiedosa como durante a vigência do cônsul Luís Flores. Serã difícil encontrar terra onde a representação consular portuguesa tivesse acarretado tamanho descrédito sobre Portugal. Não pode escapar à impiedade da história a família Flores, a quem Portugal, muito generosamente sem fazer distinção entre os portugueses, mesmo para a sua representação no estrangeiro, entregou um consulado e Feitoria em país asiático.


Dele se ocupou com bastas provas o sr. cônsul Casanova. Assim me limito a apontar o facto, e pois que me é "impossível dar castigo a tais males", como diz Gaspar Correia, "mais não quero escrever pragas e males, que a ninguém será prazer ouvir dêles memórias". Geriram até 24 de Outubro de 1917, Luís de Melo Flores e António João Flores, respectivamente, filho e sobrinho de L.L. Flores, data aquela em que tomou posse o sr. Alfredo Casanova, na qualidade de ministro plenipotenciário, cargo que exerceu até 30 de Agôsto de 1918.


Nesta data foi o consulado entregue ao comerciante italiano Atilio Diana, como encarregado de negócios, até o dia 15 de Setembro de 1919, em que a gerência do consulado foi entregue ao cônsul honorário de Itália, sr. Goffredo Bovo. Em 1924 foi encarregado do consulado durante alguns meses o ministro de Itália, volto de novo o sr. Bovo a ocupar o cargo até 6 de Fevereiro de 1927, data em que toumou posse o sr. José Luis Pereira de Sousa Santos, actual cônsul.



Portugal e o Sião moderno

Para concluir êste escôrço, parece-me dever acrescentar umas linhas mais sobre o Sião, e prováveis relações com Portugal. Afirmam alguns autores que o nome dêste país é de orígem estrangeira, pois a sua verdadeira designação na língua nativa é Nuang Thae, que significa país dos livres. Atribui-se aos portugueses o nome de Sião, o qual provindo de "Sayam", significa raça escura. Êste país e, presentemente, limitado pelos paralelos 4º e 21º. Norte, e pelos meridianos 97.º e 116.º Leste.

Confina a Este com Laos, com os protectorados franceses de Luan, Prabang e Camboja e serve-lhe de limite o rio Mekong, a que está ligado o nome do imortal épico Luís de Camões. A Norte atinge a fronteira a Indo-China, a Ocidente a Birmânia e o golfo de Bengala, e a Sul o golfo do Sião.
A sua população anda por 9.000.000 (1) de habitantes. Bangkok, a capital do reino, está situada junto ao famoso rio Menan, o qual é alimentado por numerosos afluentes, e inundando as vastas planícies que o marginam, qual outro Nilo, vão nelas depondo os produtos que são orígem da grande fertilidade do Sião.

(1) Inscristos no Consulado figuram 59 portugueses, os quais são todos descendentes da fusão de portugueses e siamesas. Tendo nascido no Sião são considerados de nacionalidade siamesa. Na generalidade ocupam situações muito modestas, quer no comércio, quer como funcionários do Govêrno siamês. Alguns mantêm o conheciemnto da língua portuguesa, o que é digno de salientar-se, poquanto nenhuma providência oficial ou necessidade os estimula ou força a tal.

Como tem sucedido com muitas cidades do Oriente, Bangkok tem tido muitos títulos. Tem-se-lhe chamado "a cidade colorida", "a joia da Ásia", "uma Veneza asiática", etc. Nenhum, porém, pode talvez traduzir melhor a particular característica dessa terra, que tem uma quinta parte coberta por palácios reais e monumentos religiosos, como a "cidade da realeza e dos templos". Se por êsse aspecto artístico atrai a curiosidade, pelo lado do seu rápido progresso material, pela sua febril actividade e progressividade força a admiração de todos, que por qualquer modo procuram conhecer tal cidade.

Foi o falecido rei Chulalongkorn quem especialmente a levantou do estado mais primitivo de cidade oriental, para o de uma capital moderna, como hoje se encontra, com as suas esplêndidas avenidas, grandes edificações, e imensas pontes, sendo abastecida de água potável, apesar das dificuldades que houve a vencer, para eliminar o sal e lodos em suspensão na água do rio.

Em Bangkok montou a Cruz Vermelha, esplêndidos hospitais, e estão instalados os serviços de aviação, que, atenta a falta de comunicações com o interior, no período das cheias, serve para transporte de correspondência, de médico e de doentes, assim como de mercadorias, para os levantamentos fotográficos e cadastrais, etc. Sem perder a particular característica de uma verdadeira metrópole oriental, Bangkok pode-se bem comparar a algumas capitais europeias.

O que lhe dá maior vida é, sem dúvida, o rio Menan, por cuja barra se exporta a produção do Sião, o qual, desdobrando-se em canais, leva tôda a parte as exóticas habitações flutuantes, tão vulgares nos rios orientais, com o seu particular bulício e moviemnto mercantil. Os principais produtos de exportação dêste país são, por ordem decrescente:

O arroz, na quantidade aproximidade de 2 milhões de toneladas; a madeira, especialmente de teca, que são preferidas para construções e para barcos e que, se pode dizer, existem em quantidade inexauríveis; os minerais de ferro, estanho, cobre, ouro, as pedras preciosas, o marfim. Abundam ainda neste país o algodão, a pimenta, a borracha, o café, o açucar, o coconote, etc. os quais são exportados em menos quantidade, assim como peixe salgado, couros etc., em especial para as colónias inglesas e Índias Neerlandesas. No quadro das importações figuram, além de todos os de produção europeia, em especial os tecidos de algodão, metais manufacturados, máquinas, utensílios e os vinhos, alcooes, azeites, conservas, que bem podiam ser de preferência portuguesas.

Dando há anos um balanço às importações que o nosso país fazia de algumas nações europeias, a fim de justificar o estabelecimento de uma carreira de navegação para o Oriente, concluía o então deputado sr. velhinho Correia, que grande número de produtos importados se podiam obter em melhores condições nos países de orígem por meio de navegação nacional do que ir comprá-los à Inglaterra e Alemanha.

Sendo o Oriente o grande mercado de produtos europeus e a orígem de um grande número dos de consumo na Europa, mal se compreende que se tenha desamparado tal iniciativa, que estou certo seria não só lucrativa como prestigiante para Portuga, ligando as suas colónias no oriente enter si e â sua Metrópole, sem esquecer os países onde os nossos antepassados deixaram fundas raízes de amizade, como são o Sião, China e Japão.

Macau, pela sua situação geográfica e benefícios de pôrto franco, tem condições para poder atrair uma parte do comércio da região do delta que lhe é confinante, depois de demovidas certas dificuldades com as alfândegas chinesas, e para ser um entreposto comercial entre Portugal e o Extremo-Oriente, quando se deixar de votar àquele comércio a maior indiferença. Macau pode ser a chave do comércio português na Extrema Ásia, o qual bem podia irradiar para o Sião, China, Malásia, Japão etc., desde que Macau seja considerada colónia comercial e não uma estância de burocratas.

A comtemplação dos velhos feitos não basta, Macau, que alumiou as costas da China e desfez as brumas do obscurantismo asiátcio, com o facho da fé, com a superioridade do génio, e com o valor do braço lusitano, não pode ficar como impotente diante o espectáculo doloroso e estranho que se desenrola em sua volta, afixiando-a, na estreita faixa de terra em que se confinou.

Macau, sentinela por séculos vigilante da Europa nos pontos avançados da Ásia, não terminou ainda a sua função. Macau cumpre, tanto como a Portugal, estreitar as suas relações com os outros povos vizinhos e, em especial, com o Sião, não ficando alheia às transformações que estão envolvendo o Extremo Oriente num prodigioso centro de actividades.

Certos estamos de que o nome o nome de Portugal não foi esquecido naquele país, e que a sua velha amizade e gratidão pelos portugueses, será a maior garantia de um estreitamento de relações económicas, espirituais e, porventura, políticas.

Promova tais, relações quem deve, que o não fazer-se é êrro.

ERRATA - Por estudos sôbre a vida de S. Francisco Xavier, que nos foram reveladas pelo erudito e ditinto director da Biblioteca da Ajuda, Snr. Dr. Jordão de Freitas, verifica-se que o Apóstolo das Índias ao regressar do Japão seguiu até Goa e dali voltou a Sanchuão, onde a morte o surpreendeu.



Fim dos quatro excelentes e elucidativos artigos que nos deu muito prazer em os transcrever.

José Martins

No comments: