Saturday, June 30, 2007

Venceslau de Morais na Tailândia



No princípio de Maio de 1995 recebi um fax do meu amigo Arquitecto Kol de Carvalho (Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Tóquio) para prestar assistência em Banguecoque ao Dr. Jorge Dias (infelizmente já não pertence aos número dos vivos) mais sua esposa e filha que chegariam no próximo dia 6 do mesmo mês.Fui esperá-los ao aeroporto e hospedei-os no hotel "Tower Inn" na Silom Road.

O Dr. Jorge Dias ofereceu-me duas obras suas: "Venceslau de Morais - Notícias do Exílio Nipónico" e "No Ádito da Ásia Episódios da Aventura Portuguesa no Oriente" (Instituto Cultural de Macau)

Em verdade pouco sabia de Venceslau de Morais, da sua vivência na Ásia e de suas obras. Li os dois livros e fiquei deslumbrado pelo Homem e pelas suas andanças e permanência no Oriente onde viria a morrer em 1 de Julho de 1929. Morais deixou este mundo e deu o último suspiro só num dia ou numa noite gélida depois de uma vida atormentada.

Junto a ele não se encontravam as "japonezinhas": O-Yoné e a Ko-Haru. Os amores de sua vida esperam por ele no cemitério de Tokushima. Não ouviu a última palavra de consolação de sua irmã Francisca Palú, em Nelas (Beira Alta), a quem enviou dezenas de postais ilustrados de 1913-1929 ocultando-lhe os seus amores e as necessidades, materiais, da vida quotidiana.A história de Venceslau de Morais na Ásia e extremo-Oriente é longa para aqui ser designada.

Vamos assim referir e transcrever a sua passagem por Banguecoque. O Dr. Jorge Dias começa por escrever: " A estada de Venceslau de Morais na Tailândia tem sido pouco estudada pelos seus biógrafos. Por esta razão a presença de Morais no Sudoeste da Ásia merece ser reexaminada".

Longe estaria de pensar que a canhoneira Tejo lançou a âncora, no leito do rio Chao Prya (Chao Praiá) em frente do Consulado de Portugal.

Graças ao Dr. Jorge Dias que teve a amabilidade de me ofertar os dois livros fiquei elucidado que Venceslau de Morais visitou a capital do Reino do Sião.
Vamos seguir a continuação do texto do Dr. Jorge Dias, principado acima:

"Em Março de 1890 o primeiro-tenente Morais assumiu o comando da canhoneira Tejo, em Macau. Em 20 de Abril a canhoneira largou para Bangkok, então capital do Sião, para colher informações "das condições em que se acha a colónia portuguesa naquela localidade". O navio chegou a Saigão a 28 pela tarde. Anteriormente estivera ali a corveta "Duque de Palmela" em 1873. Provavelmente fora o último navio de guerra português que ali estivera, antes da Tejo.


A canhoneira saíu de Saigão a 3 de Maio e foi largar ferro em Bangkok, em frente ao Consulado de Portugal. O Rei do Sião encontrava-se em visita oficial aos pequenos estados dependentes da península malaia.

A colónia portuguesa de Bangkok era formado por mais de 50 pessoas, todas macaenses, excepto um europeu. Segundo Morais, aqueles portugueses, activos e honestos, parte deles empregados do estado, eram bem pagos pelo governo do Sião. Segundo ele, os chineses, activos empreendedores, tinha invadido há muito o Sião e todo o mundo oriental.

Os siameses assistiam passivamente ao enriquecimento dos intrusos, minados por um ódio surdo, pelo que, sempre que podiam, os vexavam e espoliavam. Por esta razão os chineses procuravam a protecção dos cônsules europeus. A Inglaterra protegia os chineses de Hong Kong e de Singapura. A Holanda protegia os de Java. Portugal tinha sob seu patrocínio uns 120 chineses. (Comandante António Esparteiro, "Venceslau de Morais, Oficial de Marinha" Separata da Revista Ocidente )Lisboa 1969), Vol.LXXVII,pp,19).

Terminada a missão e trocados cumprimentos de despedida com o irmão do Rei, príncipe Soasti, a 19 de Maio, o navio largou no dia seguinte. Atravessou o golfo do Sião e na manhã de 30, largava ferro em Macau.O relatório de Morais foi elogiado pelo comandante interino da Estação Naval, capitão-tenente Carlos Augusto de Magalhães e Silva, que o considerou "excelentemente redigido, muito interessante e correspondendo cabalmente às instruções recebidas pelo comandante da Tejo". Este parecer acompanhou o relatório, que foi enviado ao Comandante Geral da Armada.

A informação confidencial do mesmo comandante foi redigida nos seguintes termos: " Comandante interino da canhoneira Tejo e nessa qualidade desempenhou muito stisfatoriamente uma missão em Bangkok. É muito morigerado, de trato muito agradável, de apresentação distinta, merece-me por todas estas qualidades o melhor conceito, reputo-o apto para promoção ao posto imediato".

Morais consagrou à sua viagem à Tailândia uma narrativa intitulada: " Em Bangkok", integrada depois em "Traços do Extremo Oriente". Nesta narrativa Morais evocou as margens viciosas do Meinam, com a sua casaria boiante. Estivera no recinto real. O Rei Chulalongkorn estivera ausente. Um príncipe amável mostrara as curisosidades. Morais vira jardins arrelvados, elefantes brancos e pagotes. Escreveu:

"Fixa-se a nossa atenção nas paredes revestidas de trabalhoso mosaico, nas incrustações de madrepérola dos portaes, nas allegorias do culto, no portentoso Budha, feito de uma só esmeralda de três palmos de altura, de valor inestimável. Ergue-se mais além o palácio real, n´uma elegantíssima fachada, cujo único senão está no mau gosto da sua arquictetura europea, sob um telhado, rendilhado em mil corujas,de pura feição indígena. Profusão de flores e de arbustos viçosos. Grande elephantes doirados, em pedestaes de mármore".

Depois de meio século de Venceslau de Morais ter visitado Banguecoque o escritor Ferreira de Castro, no percurso de sua viagem à volta do mundo esteve na capital do Reino do Sião. Na pena do Dr. Jorge Dias:

"O Sião permaneceu afastado das rotas de navegação indo-pacíficas até ao tempo de Ferreira de Castro. Era então um país singularmente remoto e exótico. Como Morais, meio século antes, Ferreira de Castro ficou deslumbrado pelo picturesco do estranho país e pelos encantos da capital: "Como capital, Bangkok é povoado bem modesto: como manifestação de pictoresco e de arte oriental é uma das cidades mais ricas do mundo". Depois de observar os canais, "os klongs", e a sua população flutuante, Ferreira de Castro extasiou-se perante as maravilhosas obras de arte "e são elas que, ao lado do pictoresto que é miséria, tornam Bangkok inesquecível - uma das mais estranhas cidades do mundo. Tal como Morais, Ferreira de Castro assinalou a importância do ~Budismo no país e admirou o Templo do Buda de Esmeralda, o Wat Pra Keo: É uma alucinante floração de templos das mai imprevistas linhas, de cúpulas doiradas e de torretas polícromas, de portas de oiro e de paredes revestidas de pedras cintilantes, que enchem tudo duma perene fulguração, cromáticos reverberros que extraem de quanto vemos todo o sentido da realidade". (Ferreira de Castro. A Volta ao Mundo (Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1942,pp.382 e 385)

Um contemporâneo de Morais, Eça de Queirós, aludiu em crónicas jornalísticas ao país, então ameaçado pela expansão colonial francesa:

"Além do seu rei, Sião possui toda a sorte de riquezas naturais, em plantações e minas. É portanto um delicioso e proveitoso país para possuir. Se eu tivesse meios de me apoderar de Sião, já esse reino seria meu, e eu exercia lá os meu direitos de conquistador com docura e magnamidade. Mas não tenho meios de me apoderar de Sião. A França tem. A Inglaterra também".

Como Morais e como um escritor francês admirado por aquele, Anatole France, Eça verberou com fina ironia o imperialismo europeu finissecular:

" Os paises orientais são feitos para enriquecer os países ocidentais - porisso com os Egiptos, os Tunis, os Tonquins, as Cochinchinas, os Siãos (ou Siões) se fazem para a Iglaterra e para a França boas e pingues colónias" (...)

À MARGEM

Há uns quatro anos, escrevi dois longos artigos, ilustrados, sobre a vida e obra de Venceslau de Morais. Fácil, algumas vezes, outras sem o contar a personagem de Morais entrava dentro de mim com violência ao ponto de atingir a emotividade pela vida miserável que o marinheiro, o escritor e o diplomata tinha levado durante a sua passagem no Oriente.

Achava-me como Morais inserido num cúbiculo, onde ele por vezes tinha o desejo de extrair do seu ser aquilo que lhe seguia na alma. Mas logo lhe chegava o desalento e vontade de atirar para cima de sua secretária a caneta.

Era o homem amargurado de vida que no seu todo não lhe foi madrasta. Teve duas "japonezinhas" que amou e o amaram. A magia do oriente estava embrenhada no seu ser. Foi um homem culto, orgulhoso, ao morrer (acreditamos) sorriu-se, com desprezo, dos homens que o ignoraram.

(Para ler os artigos que acima citamos: www.aquimaria.com/html/forum.html )

Porém o Japão não o esqueceu!

Encontra-se viva a sua permanência no Japão. Um busto em bronze foi erigido num jardim público da cidade de Kobe.

José Martins

1 comment:

Anonymous said...

Estimado José,
sou jornalista no Brasil.
Obrigado pelas informações.
Estou interessado em conseguir esses dois livros. Você saberia como posso adquiri-los?
Desde já agradeço.
Cosme Coelho